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Ferrovia e competitividade

img: Nuno Morão

img: Nuno Morão

70% do comércio externo de Portugal faz-se com a UE.

Em valor, 80% do comércio com a UE faz-se por rodovia, representando quase 30 milhões de toneladas de mercadorias por ano.

No médio e longo prazo o sistema actual vai perder a competitividade por razões ambientais e energéticas (poluição, congestionamento, escassez e preço dos combustíveis fósseis, etc.).

A política da UE para garantir que a Europa disporá no futuro de um sistema de transportes competitivo baseia-se em duas vertentes:
i) melhoria da eficiência energética e ambiental dos veículos de todos os modos de transporte
ii) transferência modal da rodovia para os meios de transporte mais eficientes do ponto de vista energético e ambiental, que são o marítimo e o ferroviário. É objectivo explícito da UE, referido em documentos oficiais, transferir pelo menos 50% do tráfego da rodovia para estes modos até 2050.

O Governo anterior planeava investimentos reduzidos nas linhas férreas internacionais, introduzindo travessas que talvez permitam mais tarde, após investimentos complementares, o transporte directo (única forma de ser competitivo) de mercadorias para a UE,que actualmente é impossível devido à diferenças de bitola entre as redes ferroviárias ibéricas e do resto da UE. No entanto estas linhas internacionais serão em via única, ou seja, de fraca capacidade. Os estudos do domínio público em que estas opções se baseiam prevêem quotas da ferrovia no transporte terrestre de mercadorias entre 3,65 e 6%. Estes resultados, além de não estarem fundamentados nesses estudos, são totalmente incompatíveis com os objectivos da UE, que para se concretizarem precisariam de vias duplas em bitola europeia.

Em defesa da política do Governo anterior, refere-se que Portugal também dispõe da via marítima. Mas os empresários defendem a necessidade das duas vias, marítima e terrestre, para garantir a competitividade das exportações, pois há mercados que são servidos melhor por uma e outros por outra. A realidade actual, em que tanto uma como outra são relevantes, reforça este argumento de quem está no terreno e conhece a realidade.

As políticas de subinvestimento na ferrovia do Governo anterior chegaram ao ponto de durante o período 2011-2015 não se terem desenvolvido projectos para apresentar para financiamento da UE, tendo conduzido ao fraco financiamento do CEF-Geral (Fundos da UE para os transportes, atribuídos pelo mérito dos projectos e não pela nacionalidade), em que no PETI3+ se previa obter 1250 milhões de euros e após distribuição de metade das verbas, Portugal obteve cerca de 140 milhões de euros. Se estas políticas não se alterarem, a competitividade das nossas exportações para os principais mercados vai degradar-se, desincentivando o investimento em Portugal e estimulando a deslocalização de empresas, condenando Portugal à pobreza e ao subdesenvolvimento.

O actual Primeiro-Ministro defendeu antes das eleições uma linha de caminho-de-ferro de grande capacidade para transporte de mercadorias (o que implicaria que fosse em via dupla e bitola europeia) no principal trajecto das nossas exportações terrestres para a Europa, o itinerário Aveiro-Salamanca. No entanto, o Plano de Investimentos em Infraestruturas Ferrovia 2020, recentemente apresentado pelo actual Governo, vai em sentido contrário, pois é quase uma cópia dos planos do Governo anterior. A única novidade é a proposta de construção de uma linha Aveiro-Mangualde em via única, cuja viabilidade se baseia na obtenção de Fundos do CEF-Coesão (Fundos da UE para infraestruturas de transporte nos países da Coesão, com quotas para cada um) que já se sabe que a UE não atribuirá a Portugal, pois a quota do CEF-Coesão reservada ao nosso país esgota-se nos restantes projectos. Ou seja, o Governo das Esquerdas adopta as políticas ferroviárias do Governo da Direita, baseadas na aversão ao investimento público do OE (explicita na página 2 do Acordo de Parceria Portugal-UE 2014-2020, em que se refere explicitamente o “fim do ciclo baseado no investimento público”) e em perspectivas irrealistas de financiamentos da UE para parte dos projectos apresentados, já de si largamente insuficientes face às necessidades da economia. E as principais forças económicas e sociais, Associações empresariais e sindicatos, que posições assumem perante estas políticas? O assunto tem sido discutido na CIP e em algumas das Associações que a compõem. E os sindicatos, o que pensam do assunto? Vão assistir impávidos e serenos à redução da capacidade de atracção de investimento e deslocalizações de empresas, com as consequentes perdas de postos de trabalho?

Lisboa, 22 de Março de 2016

Mário Lopes, Prof universitário, Presidente da Associação para o Desenvolvimento de Sistemas Integrados de Transportes (ADFERSIT)