Democracia de Província
Dezembro de 2019 será um mês de efemérides da mobilidade e transportes em Trás-os-Montes. A Chaves subtraiu-se o serviço ferroviário há 30 anos, a Bragança há 28 anos, a Mirandela há 1 ano, e Vila Real ficou sem o serviço alternativo ao ferroviário há 9 anos. Estas são as quatro maiores cidades de Trás-os-Montes, perfazendo nos seus perímetros urbanos 82 mil habitantes.
Trás-os-Montes, sem contar com a Linha do Tâmega que apenas bordeja o território, e a pequena porção da Linha do Douro que se encontra na Beira Alta, teve no seu apogeu uma ligação ferroviária à Espanha e 445 km de caminhos-de-ferro, 108 dos quais em Via Larga, e os restantes distribuídos pelas Vias Estreitas do Corgo, Tua e Sabor.
Hoje conta com os 84 km que separam Porto de Rei e o Pocinho, na Linha do Douro: uma perda de 81% da sua rede ferroviária, entre 1988 e 2018.
Bragança só não é o único distrito do país sem qualquer tipo de serviço ferroviário graças à estação do Tua e ao apeadeiro de Alegria – isto enquanto não se desata o nó górdio do Plano de Mobilidade do Vale do Tua, e os comboios regressarem a Mirandela.
Não contando com os terminais ferroviários de cimento em Godim e no Pocinho, o transporte de mercadorias de toda a Região é feito exclusivamente por rodovia, sendo a espinha dorsal a auto-estrada A4, com o Porto num extremo e a fronteira zamorana e o restante território europeu no outro.
Ao invés de uma parte das mercadorias poderem circular pelo território aos preços mais competitivos que a economia de escala do transporte ferroviário possibilita, tudo o que flui pelo Nordeste está refém das pressões e custos da rodovia.
Para enumerar alguns, temos a flutuação do preço dos combustíveis, menor capacidade de carga por veículo/km, externalidades (acidentes, trânsito, intempéries), portagens, greves, poluição, contributo para a fortíssima dependência externa de petróleo, e por aí vai.
A Linha do Douro tem vindo a ser lentamente modernizada desde há 20 anos, com duplicação até Caíde e electrificação até ao Marco de Canaveses, travessas em betão para lá da Régua, e alberga quatro dos cinco comboios turísticos do país.
Porém, os utentes são servidos por sucata fretada à Espanha, ainda se demora pelo menos 1h45m do Porto à Régua (103 km), neste período de tempo ganhou e voltou a perder o Intercidades duas vezes, e autarquias e associações clamam pelo reatamento a Espanha, enquanto o Governo nada decide sobre isso mas insiste numa nova linha de Aveiro a Viseu paralela à Linha da Beira Alta, a custar 650 Milhões de euros e já duas vezes chumbada pelo Tribunal de Contas Europeu.
Por fim são as próprias autarquias da região que por inércia castram qualquer iniciativa de discussão sobre a reabertura das Vias Estreitas.
Ao lançar o mero desafio de um debate, apresentando estudos de reabertura que confirmam os custos super inflacionados dados pelo Estado e o saldo operacional positivo segundo modelos de exploração dignos desse nome, recebe-se de volta emails por responder, chamadas não devolvidas, e em reunião um convite a falar antes com a CIM correspondente, as quais, por sua vez, não respondem a emails nem devolvem chamadas para o efeito.
Explicavam-me há dias, numa autarquia que promoveu recentemente um protesto em outdoor contra a concessionária de uma auto-estrada da Região mas que não quer fazer absolutamente nada quanto à ferrovia que a deixou de servir, que é compreensível que um autarca não promova um “suicídio político” ao defender, no seio da CIM e dos munícipes, a discussão de algo que não está na agenda política do Governo. É pois para isso que aqui estamos, cidadãos: para nutrir a carreira política dos nossos autarcas, e não para contar com eles para defender os nossos interesses, não meramente reivindicando esse direito, mas inclusivamente coadjuvando com conhecimento técnico dado de graça.
A “Democracia de Província” será assim um fantoche, dependente por força ou por laxismo dos mandos e desmandos do Governo central, sem voz própria nem mandato para falar pelos cidadãos do território ou vontade de os ouvir sequer?
Enquanto natural do distrito de Bragança, estou representado na Assembleia da República por três deputados em 230, e nenhum autarca trasmontano. ¡Vamos bien!
Daniel Conde
Vila Real, 16 de Outubro de 2019
Não escrevo segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.