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O Interesse Nacional

Estamos a entrar no último ano desta legislatura. Quando olho para o que aconteceu neste período, no sector ferroviário, não posso deixar de me sentir profundamente decepcionado com as decisões que este Governo tomou em relação a este sector, em particular mas, também, em relação aos transportes em geral. As decisões tomadas foram sempre no sentido de manter o status quo, o que agravou a degradação dos diferentes subsectores.

Vamos por partes.

Governar não é fácil, é uma afirmação que se ouve com frequência. Talvez! Sobretudo se a acção governativa visar defender o Interesse Nacional. Mas infelizmente não foi isso que aconteceu, pelo menos desde os anos 90 do século passado, em que governar foi, para alguns, criar condições de benefício pessoal, conforme se comprova com os inúmeros casos de corrupção que a justiça tem entre mãos. Mesmo quando não fizeram nada de ilegal, criaram as condições para retirar benefício pessoal pertencendo a Conselhos ou de Administração ou Estratégicos ou de outra coisa qualquer.

Não estou, nem pretendo, fazer aqui, qualquer análise histórica às últimas três décadas de governação no nosso País (embora seja importante que todos saibamos um pouco mais de história, em especial a do século XX), nem quero meter todos no mesmo saco, apenas estou a fazer a constatação de factos de todos conhecidos e que nos trouxeram à situação em que nos encontramos hoje: uma dívida pública de mais de 250 mil milhões de euros o que nos retira, todos os anos e por agora, quase 10 mil milhões de euros só para juros; salários mínimos e médios miseráveis, empregos precários e pouco qualificados na sua esmagadora maioria, forçando milhares dos nossos jovens mais preparados a sair do País para poderem ter actividades profissionais e remunerações adequadas às suas qualificações (quase todos nós vivemos essa situação com familiares). Ora é óbvio que, governar com estes resultados não é, certamente, defender o Interesse Nacional.

E, naturalmente, não pode ser defender o Interesse Nacional quando o Estado deixa de ter o controlo de sectores vitais e estratégicos para o desenvolvimento e segurança do País, como a Rede Eléctrica Nacional, a infra-estrutura da Rede de Comunicações e as infra-estruturas Aeroportuárias Nacionais. É evidente que, no contexto actual, vai ser difícil ao País reverter a situação, qualquer que seja o Governo e, mesmo assim, era necessário que se conseguisse acordo político alargado sobre o que é o Interesse Nacional.

As empresas procuram, legitimamente, o objectivo de lucrar com a sua actividade e só assim podem subsistir, criando empregos e desenvolvendo a economia. Mas a prática das multinacionais, como as que ficaram com os sectores estratégicos do País, (como todos os que acompanham estes fenómenos sabem), apenas têm um único objectivo: “o máximo retorno para o accionista”. Consequentemente os investimentos na manutenção e renovação das infra-estruturas é o mínimo possível para que estas mantenham alguma operacionalidade e as soluções são sempre as de menor custo para o investidor mesmo se, objectivamente, são as piores para o País.

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img: Daniel Nogueira

Um exemplo concreto que quero referir: a solução apontada para o Aeroporto de Lisboa com a extensão à Base Aérea do Montijo. Mesmo um leigo, como eu (não condicionado por outras razões) percebe que esta solução é desadequada, pelo menos, por quatro razões: i) não resolve o problema de segurança aérea da cidade de Lisboa; ii) acrescenta um problema igual ou pior, para as populações do Barreiro, Lavradio, Baixa da Banheira, Samouco e Montijo; iii) é uma solução que se esgota a curto prazo; e, iv) compromete, talvez para os próximos trinta ou quarenta anos, uma solução integrando, adequadamente, outros modos de transpores, nomeadamente o ferroviário.

Ganância e hipocrisia.

Após a segunda guerra, no chamado mundo ocidental houve um período de várias décadas de grande desenvolvimento económico e social, normalmente referido como “os trinta gloriosos”, que permitiram uma grande qualidade de vida sobretudo na Europa, América do Norte e Japão. Portugal (orgulhosamente só) passou ao lado daquele processo de desenvolvimento e bem-estar e, só após 1974, o País teve o seu período de desenvolvimento, e áreas como a saúde (a criação SNS), a educação e os salários tiveram um impacto significativo na melhoria da nossa qualidade de vida. Foram, também, os nossos “trinta gloriosos”. Esta dinâmica positiva manteve-se em várias áreas da actividade económica e, no sector ferroviário, atingiu o apogeu nos anos 90 do século passado, mas foi também naquela década que se iniciou o processo de autonomização de áreas do sector, como já referi noutras ocasiões, e que conduziu ao descalabro em que nos encontramos.

O modus operandi que foi seguido por uma certa elite político-económica dominante, nas áreas do Sector Empresarial do Estado, que tinham alcançado razoável dimensão e elevados níveis de qualidade e competências específicas foi sempre o mesmo e, os argumentos sistematicamente utilizados foram, basicamente, dois: i) era necessário investimento privado para o desenvolvimento e crescimento das actividades, e; ii) era necessário fazer o esforço para manter os “Centros de Decisão”, no País. Como se vê é tudo ao contrário e o Estado nem sequer tem capacidade para decidir sobre o futuro aeroporto da capital do País…E quando for com a Rede Eléctrica Nacional como vai ser?

Grande parte do século XX português foi miseravelmente governado mas, nos últimos 25 anos, daquele século, o salto qualitativo, em todas as áreas, foi enorme. Tudo isto está agora em causa dada a forma como a res publica e a banca foram sendo governada e gerida a partir de meados dos anos 90 e que culminou na intervenção da troika, em 2011. Nos 100 anos do século XX, apenas os últimos 25 houve dinâmicas positivas, no sentido da criação de uma significativa melhoria das condições de vida das pessoas. Este processo foi comprometido e nos próximos anos (talvez 20, 30 ou mais) o País estará com a corda na garganta (de acordo com o Prof. J. F. do Amaral os próximos 20 anos vão ser piores, também por causa do Euro), e a reversão desta dinâmica negativa vai ser difícil e morosa.

Tudo isto aconteceu porque que os valores éticos e morais que deviam ser os paradigmas comportamentais, dos que deviam defender o Interesse Público, foram suplantados pela ganância e a hipocrisia de quem se preocupou apenas com o seu benefício pessoal e/ou de grupo, mesmo quando isso hipotecou o futuro do País e o das próximas gerações.

Podemos ter esperança?

Podemos e devemos ter esperança. Nenhuma sociedade consegue subsistir e desenvolver-se sem esperança. Este Governo deu esperança e, em muitas áreas, o trabalho realizado (com excepção da área da saúde) é sentido de uma forma geral como o possível, por mim e por muitos portugueses, face ao contexto. Ajudou a que nos tranquilizássemos e, por isso estou-lhe grato. Mas, no sector dos transportes, estou profundamente desencantado com o trabalho desenvolvido e com as decisões tomadas, nomeadamente na área aeroportuária e, no caso do sector ferroviário o descalabro foi total, já que se manteve e até se acentuou a degradação global que vinha de governos anteriores.

Podemos e devemos ter esperança, mas é difícil ter esperança e acreditar em quem nos governa se não se desencadearem acções concretas, que nos mostrem que vamos ter melhor saúde, melhor educação, melhores salários e o controlo dos sectores estratégicos, com modelos de governança que assegurem o desenvolvimento técnico e humano, que permita ao País ter uma razoável autonomia e competência técnica.

Temos de ter clara uma visão, um caminho a percorrer e os objectivos a alcançar. Isto é, a sociedade que queremos ajudar a construir. Talvez seja pedir demais, talvez! Mas já não consigo estar disponível para menos. É cada vez mais difícil suportar tanta corrupção, tanta ganância, tanta mentira, tanta hipocrisia (lembro-me sempre dos grandes movimentos das nossas “elites”: o Compromisso Portugal e o discurso sobe a manutenção dos Centros de Decisão Nacional, etc…). Temos de alterar comportamentos, atitudes e práticas, só assim podemos ter resultados diferentes e um País melhor.

20, de Janeiro de 2019
Joaquim Polido