Políticas Públicas – A situação do sector ferroviário
Nos últimos tempos o caminho-de-ferro tem sido objecto de inúmeras notícias e intervenções de políticos, comentadores e de “experts” na matéria, sobretudo por causa do impacto que a qualidade do serviço tem tido nos (clientes/passageiros/utentes) da CP-Comboios de Portugal e, também, pela incapacidade de assegurar a manutenção do material circulante, por parte da EMEF.
Ora nada do que está a acontecer, no mundo ferroviário português, se pode considerar inesperado. Tal como o que se passa com o sector aeroportuário (sobretudo a questão à volta de Lisboa), assim, como a breve prazo se irá verificar com a progressiva degradação da Rede Eléctrica Nacional.
Mas centremo-nos no caso ferroviário.
Quando olho hoje, para o sector ferroviário português, salta-me logo um pensamento, algo catastrofista, que a meu ver é verdadeiro mas eu detesto e que é: está tudo errado. Não há uma visão; não há uma estratégia; não há modelos organizacionais e de governança adequados à nossa realidade histórico-geográfica e geoestratégica. Então o que sobra? Sobra esta situação caótica que se verifica no dia-a-dia, com soluções casuísticas que podem circunstancialmente atenuar mas não vão resolver problemas, que são estruturais.
Mas posto tudo isto coloca-se a questão. Então não há solução? Estamos condenados a este miserabilismo? Para ambas as questões a resposta é sim e não. Depende do que se fizer e de como se fizer.
O processo de degradação do sector ferroviário começou há cerca de trinta anos, tendo-se acentuado na última década e, os actores relevantes (e apaniguados) que nele participaram, ainda estão por aí e vão resistir, por acção ou inacção, a que qualquer alteração de fundo se possa concretizar. Por outro lado, mesmo que se tomassem agora as decisões adequadas para a revitalização do sector, os seus efeitos práticos, só começariam a ser sentidos pelos utilizadores do sector, daqui a oito ou dez anos.
Políticas Públicas
Um dos grandes problemas do nosso País é, claramente, a falta de pensamento estratégico que nos permita desenvolver políticas públicas articuladas e consequentes, em benefício da Comunidade, e não de um conjunto de pessoas sem escrúpulos, que pouco ou nada se preocupam que as suas acções degradem, gravemente, a qualidade de vida dos seus concidadãos, tanto os seus contemporâneos, como até aqueles que ainda nem nasceram. O que é dramático é que tanta gente de bem se tenha calado e acomodado a tudo isto. A consequência é termos a ferrovia na situação triste em está, ou a inacreditável proposta, pela concessionária, de extensão do aeroporto de Lisboa para a pista do Montijo, ou a degradação do Serviço Nacional de Saúde e da Educação, ou a miserável situação dos salários em que mesmo pessoas qualificadas, só obtêm retribuições baixas e/ou empregos desqualificados.
Toda esta situação devia fazer com que as pessoas de bem, e preocupadas com o presente e o futuro do País, se empenhassem em contribuir para que as políticas públicas se focassem em áreas estruturantes dos Indivíduos e da Comunidade. Se nada se fizer receio, muito convictamente, que todos nós vivamos, cada vez mais, em piores condições e tenhamos, por isso, uma sociedade cada vez mais degradada e desequilibrada. Sociedades desequilibradas são, como sabemos, sociedades mais perigosas e inseguras.
É por isso que considero que, como Comunidade inserida num Estado Nacional, podemos exigir que sejam criadas as condições políticas (fazer política é escolher caminhos. Porque não estes?) que se focassem e actuassem nas seguintes 4 áreas estruturantes para a vida dos indivíduos: Saúde, Educação, Emprego e Segurança Social.
A Saúde é o bem mais precioso que o indivíduo pode ter. A saúde é um elemento fundamental para a qualidade de vida dos indivíduos, com resultados também positivos para a própria sociedade. Por isso, o Estado tem de assegurar aos seus cidadãos serviços de saúde adequados, não apenas para tratar as doenças (medicina curativa) mas, e não menos importante, talvez até mais, nas acções médicas necessárias à prevenção de doenças (medicina preventiva). Por outro lado, os indivíduos têm de ser ensinados a não terem comportamentos indutores da degradação da saúde, onde a alimentação e a actividade física adequadas têm enorme relevância.
A Educação é a área mais estruturante do indivíduo e muito relevante para a sua integração em sociedade. A qualidade e abrangência da educação recebida são determinantes para o indivíduo e o papel que este pode vir a desempenhar ao longo da sua vida. O Estado deve, por isso, assegurar que os seus jovens cidadãos tenham as condições necessárias para o seu desenvolvimento pessoal, desde o pré-escolar até à conclusão do ensino obrigatório. Deve, ainda, assegurar o acesso ao ensino superior de todos os que queiram frequentar e reúnam as condições pessoais para tal.
O Emprego é a área mais determinante para a plena inserção do indivíduo na sociedade, para o seu sentido de pertença e para a sua auto-estima. O Estado deve ter aqui um papel determinante no funcionamento do mercado de emprego, já que deve assegurar nas suas áreas de responsabilidade directa, como os serviços públicos e entidades públicas (empresas e outras), que os trabalhadores têm salários, carreiras e desenvolvimento profissional adequados a cada uma das actividades que desenvolvem. No que concerne aos empregos do sector privado da economia, o Estado deve ter uma função reguladora e moderadora. Em ambas as situações, pública ou privada, a contratação colectiva deve ser o instrumento normalizador das relações entre as partes.
A Segurança Social é a área instrumental que deverá ter a função mais moralizadora e de coesão da Sociedade, já que deve proporcionar as condições para que ao longo da vida o indivíduo se sinta apoiado pela Comunidade em momentos de desemprego ou de doença e que, sobretudo na velhice, disponha de condições de vida dignas. O sistema de Segurança Social público deve ser único e universal. Todos os cidadãos devem obrigatoriamente estar abrangidos, independentemente da actividade profissional desenvolvida.
As 4 áreas acima referidas têm uma função estruturante do indivíduo e contribuem para uma melhor integração destes na Comunidade. Pessoas saudáveis, educadas, com auto-estima e tranquilas quanto ao seu futuro serão, certamente, cidadãos mais integrados e participantes, de forma positiva, na sociedade.
Mas também a sociedade, (i. é. o Estado), precisa de dar atenção, no seu todo, a algumas áreas relevantes, nomeadamente, as seguintes 4 áreas estruturantes da sociedade: A Segurança das Pessoas e Bens, a Mobilidade, a Justiça e o Modelo Económico.
A Segurança de Pessoas e Bens é, nas sociedades modernas e abertas como a nossa, uma questão candente. Os Cidadãos têm de se sentir seguros e confiantes nas suas organizações policiais e de segurança. Por isso, estas têm de ter capacidade de resposta às situações que se possam colocar devendo estar preparadas, tanto no plano técnico como humano, para tal e bem inseridas na Comunidade. Por outro lado, os jovens (homens e as mulheres) devem, no seu processo de desenvolvimento e integração na Comunidade, passar por um período obrigatório, misto de serviço militar com serviço à comunidade, consolidando, assim, princípios e valores estruturantes da sua participação no todo que é esta Sociedade.
A Mobilidade é fundamental para dar respostas às necessidades da sociedade, tanto para as pessoas como para as cargas. O Estado tem de assegurar o desenvolvimento e controlo das infra-estruturas estruturantes do País e da operação dos meios de transportes de grandes massas, nomeadamente, nos movimentos pendulares casa-emprego, assim como o acesso do interior aos grandes centros urbanos e da própria mobilidade urbana.
A Justiça tem um papel preponderante na percepção que os Cidadãos têm de todos somos iguais em direitos e deveres. Por isso, a justiça tem de ser de acesso fácil e tem de ser rápida e justa a decidir. Mais que nenhuma outra área, a Justiça é um serviço que o Estado presta à Comunidade e nunca pode, nem deve, ser um negócio.
O Modelo Económico sobre o qual opta a sociedade é decisivo para se poder alcançar o bem-estar geral. Creio que no actual contexto nacional e internacional, o modelo económico mais adequado ao nosso desenvolvimento e envolvimento geoestratégico é o de mercado aberto, mas regulado, considerando que a actividade privada adequadamente regulada, pode contribuir para estimular o desenvolvimento e bem-estar da Comunidade. Todavia, os serviços de interesse geral ou os monopólios naturais devem ser geridos directamente pela Comunidade (o Estado), em organismos públicos e por gestores competentes e conhecedores dos respectivos sectores (com currículos profissionais adequados e não políticos), na base da contratualização da gestão e aos quais devem ser exigidas responsabilidades, pelos resultados obtidos.
Para aqueles que tiveram paciência para ler o texto até aqui, quero dar uma explicação. O que escrevi de forma sintética, sobre Políticas Públicas, não surge por impulso, num dia que acordo e me ponho a escrever umas coisas. É algo que resulta de reflexão, leituras e do meu percurso de vida. É algo que resulta da vida prática e do modo como eu gostava de ter o meu País e de uma vida de bem-estar que eu quero para mim e para os meus, mas também, para os meus concidadãos. É algo que, pelo menos nos últimos vinte anos me ajudou a ter um objectivo claro, tanto no aspecto profissional, como na intervenção cívica que fui tendo ao longo da vida, nomeadamente na ADFERSIT e na ADES.
E o caminho-de-ferro. Que fazer?
Nos últimos anos saíram do sector milhares de trabalhadores e, naturalmente, com eles saiu um enorme conhecimento específico, que não foi possível transmitir a quem ficou. Esse conhecimento, à medida que o tempo passa deixará de ter utilidade mas, por enquanto ainda pode ser muito útil. Estou profundamente convencido que se o País quisesse, muitos dos técnicos e especialistas que saíram se disponibilizariam a dar colaboração, no sentido de ajudar a reorganizar o sector. Por vezes algumas pessoas esquecem que não são as organizações que detêm o conhecimento, mas sim as pessoas dessas organizações, ora se a pessoas saem, o conhecimento também sai.
Mas qual o modelo geral que deve ter o nosso caminho-de-ferro? Como já o referi noutros textos considero profundamente vantajoso para o País ter toda a actividade debaixo do mesmo “chapéu”, para que se ganhe dimensão e massa crítica no sector. Eu sei que há alguns condicionamentos que se colocam devido à regulamentação da UE, mas é para isso que há os políticos, para ajudarem a resolver as dificuldades, quando elas existem.
O sector precisa de voltar a ter capacidade de recrutar seleccionar e formar os efectivos que necessita e de requalificar os que tem. Precisa de readquirir a capacidade de fazer, internamente, a construção e manutenção das suas infra-estruturas de via, de catenária e de sinalização, admito que algumas em parcerias. Precisa, também, de ter capacidade de assegurar, internamente, a manutenção e revisão do seu material circulante. Precisa, enfim, de voltar a ser útil à Comunidade, respeitado e reconhecido por esta, e só o será ser for organizado como prestador integrado de um serviço de qualidade e não como actividade de negócios segmentados, particularmente nas deslocações das pessoas.
O modelo actual falhou (e não culpo este governo por isso. O processo como disse, começou há perto de trinta anos), e a soluções encontradas não resultaram. Para que fique claro, não estou a propor que se volte à antiga CP, não, a circunstância (como dizia Gasset) é outra, mas o País é o mesmo e precisa de ter claro que caminho-de-ferro quer ter e como o quer ter. Estou, como sempre estive na vida, disposto a ajudar o meu País.
10, de Setembro de 2018
Joaquim Polido