Assunto: expansão da rede do metropolitano de Lisboa
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Caro(a) Senhor(a) Anunciado na comunicação social em dezembro de 2016, o plano de expansão da rede de metropolitano de Lisboa continua a ser apresentado pelo ministério do ambiente, pela câmara municipal de Lisboa e pelo próprio metropolitano como definitivamente aprovado. Este plano consiste na criação de uma linha circular através da ligação das linhas amarela e verde na estação Campo Grande e do prolongamento da linha amarela da estação Rato até ao Cais do Sodré com ligação à linha verde. Na qualidade de antigo funcionário do metropolitano, onde desempenhei funções na engenharia de infraestruturas e na preparação da colocação em serviço das expansões de 2002 a 2009, tomo a liberdade de vos comunicar os inconvenientes deste plano. Lamentavelmente, a evolução da rede do metropolitano de Lisboa ao longo de cerca de 53 anos evidenciou vários erros do ponto de vista do projeto dos traçados.
Esse plano corrigiu as deficiências da rede original de 1959-62: foi eliminada a “bifurcação” da Rotunda em 1995 separando-se as linhas azul e amarela; foi desdobrada a linha em “V” em 1998 nas linhas azul e verde. Em agosto de 2009 foi apresentado pelo então MOPTC um novo plano de expansão assente em conceitos diferentes: propunha-se sistematicamente “bifurcações”, construção de novas estações nos meio-troços existentes mais longos e fusão das linhas verde e amarela numa linha circular. Este plano não foi elaborado de forma participada nem sequer discutido durante a sua preparação com os técnicos com experiência de operação e de manutenção do metropolitano. Terá tido origem ao nível do ministério da tutela, da administração do metro, de um ou outro técnico superior de maior militancia política do partido do governo da altura. A sua inspiração terá sido alguma viagem a Londres (cuja linha circular foi entretanto convertida em espiral) ou a Madrid, e a sindroma da solução redentora que se traz de fora terá dominado o decisor periférico, tão deslumbrada a sua mente que bloqueou a simples análise de que a solução poderia não ser de aplicação eficaz nas condições de Lisboa. Os colegas da FERCONSULT, a empresa afiliada do metropolitano que executa os projetos das estações e do traçado de novas linhas, cumpriram o que se lhes pediu e elaboraram o plano de 2009. São excelentes técnicos, mas não têm experiência de operação e de manutenção. E não ouviram quem a tem, e que nunca poderia concordar com a quantidade de bifurcações previstas. Submetidas ao trabalho intenso de uma rede de metro, os motores de agulha dos aparelhos de mudança de via têm uma taxa significativa de avarias. E cada avaria provoca a paralisação do troço comum e dos dois ramais. Os colegas projetistas nunca terão sentido a angustia da procura da resolução da avaria enquanto os passageiros aguardam, nos comboios parados ou nos cais a encherem-se de gente, que não são mercadorias. Não está em causa a competência profissional dos colegas, que aliás estão vinculados aos deveres hierárquicos, apenas se regista e critica a orientação desadequada que lhes foi dada. A anunciada expansão do metro é em regressão do plano anterior de 1974. A sua defesa tem sido assumida perante a população principalmente pelo presidente da Câmara de Lisboa, pelo ministro do Ambiente e pelo presidente da administração do metropolitano de Lisboa. Infelizmente, provavelmente por causa das respetivas formação e dos percursos profissionais, nenhum deles foi sensível aos argumentos que contraindicam este plano de expansão. Nenhum teve experiência nas frentes de trabalho do metropolitano, e por isso desvalorizam os argumentos contrários da maior parte dos técnicos no ativo e reformados que trabalham ou trabalharam na operação e na manutenção do metropolitano. Por isso, o que apresentam à população como justificação da linha circular é que é um bom sistema de distribuição de tráfego, e invocam estudos de procura por uma consultora. Não se contesta que os estudos de procura tenham dado maior tráfego comparativamente com as duas linhas atuais que serão fundidas na linha circular. Nem se contesta o papel distribuidor de uma linha circular. Já se contesta que a argumentação seja de natureza não técnica, esquecendo que o mesmo fenómeno de distribuição é assegurado por qualquer rede de metro no mundo através de uma “grelha” de linhas transversais e radiais ou longitudinais com nós de correspondencia expedita e garantia de intervalos curtos entre comboios. E que a condição económica e financeira do país não se coaduna com a destruição do conceito atual de “grelha” para o substituir pelo de linha circular. Se é irreversível, por razões políticas ou outras, a ligação das estações Rato e Cais do Sodré, então ao menos que se evitem os custos adicionais de transformação em linha circular, mantendo o esquema, aliás eficaz, de correspondência na estação Campo Grande, e implementando um esquema de correspondência entre a estação de Santos da linha de Cascais e a futura estação de Santos do metropolitano (recordo que a existência de passagens/passadiços pedonais aéreos é uma solução normal em urbanismo, tendo sido prevista no projeto da sede da EDP). Aliás, o exemplo da linha circular de Londres deixou de existir por ter sido transformada em espiral, as linhas circulares de Madrid e de Moscovo são justificadas pelas dimensões maiores e por serem atravessadas por maior número de linhas transversais. A fundamentação que tem sido apresentada para a linha circular é também a eliminação da incomodidade do transbordo para quem vem da linha de Cascais e a vontade de servir melhor o troço de maior procura do metro, a Av.da Republica. Ora, convem recordar que um dos elementos essenciais duma rede de metro ou dum sistema de transportes de uma área metropolitana é a intermodalidade e a existencia de nós de correspondencia e a possibilidade de percursos alternativos em caso de avaria num troço. Por outro lado, se vamos melhorar a acessibilidade do troço da av.Republica vamos aumentar a diferença de procura para os outros troços. Em alternativa, a correspondencia em Alcantara com a linha de Cascais evita o fecho do anel e permite o acesso dos passageiros da linha de Cascais diretamente à zona da av.República. Observe-se ainda que a carga mais elevada desta zona se deve também a quem vem da linha de Odivelas, que com o fecho do anel se veriam obrigados a mudar em Campo Grande. Notar que a correspondencia em Alcantara com a linha amarela ou com a linha vermelha só será eficaz se o término do metro em Alcantara for em viaduto para facilitar os transbordos pedonais, para reduzir custos de energia de tração por redução dos declives, e para reduzir custos de construção. Vale a pena determo-nos um pouco no argumento de que a linha circular servirá o maior fluxo de tráfego origem-destino, com mudança no Cais do Sodré da linha de Cascais para o metropolitano. Ora, de Alcantara a Cais do Sodré são 2,5km e de Cais do Sodré a Saldanha (linha amarela) são 4,7km. Contando com 3 minutos para o transbordo em Cais do Sodré e uma espera de 3 minutos pelo metro teremos 20 minutos entre Alcantara e Saldanha. Comparando com a alternativa prolongamento da linha vermelha do metro teremos 4,7km entre Alcantara e Saldanha. Contando com 5 minutos para o transbordo em Alcantara e 3 minutos de espera pelo metro, teremos 19 minutos, isto é, menos (com a condição do interface de correspondência em Alcantara ser bem projetado). Não há pois vantagem na proposta oficial (para o percurso Cacilhas-Cais do Sodré recorda-se que a linha suburbana pela ponte 25 de abril serve diretamente a zona da Av.República na estação Entrecampos, dispensando para o tráfego de atravessamento do Tejo a respetiva valencia da linha circular). Isto acontece porque do Cais do Sodré a Saldanha pela linha circular “volta-se” para trás. É o erro das linhas circulares ou em “V” ( o troço da periferia para o centro está mais carregado do que o troço do centro para a periferia e os dois troços estão em série sem um término entre eles para absorver as variações de carga, tanto mais perturbadoras quanto maior a carga), como em Oriente-Aeroporto, em que o percurso em autocarro do Marquês de Pombal para o Aeroporto é mais rápido do que de metro. Protesta-se ainda por atempadamente ter sido pedida a divulgação desses estudos e nunca ter sido feita. Isto é, a cultura do secretismo e da colocação da população perante factos consumados permanece. Além de que, em qualquer empreendimento público, dada a sua falibilidade associada a fatores não controláveis antecipadamente (por exemplo, a instalação numa zona diferente da cidade de um polo atrativo industrial ou de serviços), os estudos de procura não devem constituir o fator decisivo, mas apenas um fator de análise dos custos e dos benefícios. Para que não se diga que os dados, depois de torturados confessam tudo o que se quiser. Protesta-se porque o custo unitário por km da construção da expansão proposta é superior ao da construção do prolongamento da linha vermelha para Alcântara (em viaduto no respetivo vale) devido à obra de destruição parcial dos viadutos de Campo Grande poente, à construção de 2 viadutos com o comprimento total de 520 m, um deles sobre a Av.Padre Cruz, e às dificuldades nos terrenos de aluvião da zona de Cais do Sodré.Reconhece-se a dificuldade para a CML de integrar o prolongamento em viadutos das linhas vermelha e amarela no plano de urbanização de Alcântara, mas o interesse geral na rede de transportes na região de Lisboa deve ser-lhe superior. Em resumo, a linha circular, para além de fechar a rede sobre si própria em detrimento do prolongamento à zona de Alcântara, Belém ou Algés, contem quase todos os inconvenientes do plano de 2009 : – curvas e declives fora dos parâmetros normais em metropolitanos, contribuindo para piores índices de fiabilidade, manutenção e eficiência energética (para confirmar isto, basta, estando no cais da estação Campo Grande da linha amarela, no sentido para a Cidade Universitária, olhar para a saída da linha para esta estação e ver a sua curvatura, que terá de ser aumentada para a construção do novo viaduto sobre a Av.Padre cruz) – “bifurcações” (no caso de serem mantidas as ligações da linha de Odivelas a Cidade Universitária e da linha de Alvalade a Telheiras) contribuindo para piores índices de disponibilidade e de fiabilidade – maior suscetibilidade a perturbações de exploração relativamente a linhas separadas por inexistência de almofada para absorção das perturbações, como nos términos das linhas separadas (este inconveniente aumenta à medida que aumenta o número de comboios em linha e diminui o intervalo entre eles, o que leva a que uma perturbação numa estação por excesso de afluência paralise toda a linha; em técnica de transportes, este é o mesmo fenómeno nas autoestradas com excesso de tráfego, em que se formam extensas filas com paragem sem que tenha havido acidente) – maior probabilidade de avarias ou perturbações na linha circular do que simultaneamente nas duas linhas nela fundidas; numa altura em que persistem as perturbações na exploração do metropolitano por se manter a taxa de imobilização de comboios perto de 30% deve considerar-se este argumento (com base no histórico de 1 avaria por 14.000 comboios.km: linha circular, 1 avaria todas as 50 horas ou 2,5 dias; simultaneidade de avarias ou perturbações nas linhas amarela e verde, 1 avaria todas as 500 horas ou 25 dias) – custos unitários de construção e financeiros mais elevados Reconheço que se trata de uma problemática que envolve a análise de argumentos de grande aridez, quando não é exigível às pessoas que estudem essa análise. Por isso será difícil reunir o apoio de número significativo de cidadãos e cidadãs para tentar demover o governo e a câmara municipal de Lisboa da obra da linha circular, embora o principal argumento contra seja de entendimento fácil, o custo de construção por km é superior ao custo unitário da construção do prolongamento da linha vermelha para Alcantara em viaduto. Por entender por imperativo deontológico que devem ser divulgadas as razões técnicas que contraindicam a linha circular, tomo a liberdade de apelar para a comunicação social para colaborar nessa divulgação, promovendo um debate público informado. O tempo que já decorreu, sem que a posição oficial tenha minimamente atendido às razões técnicas que a criticam, é uma desilusão, pelo que, da minha parte, a presente informação é minha última intervenção pública sobre este assunto por minha iniciativa, estando naturalmente aberto a colaborar noutras iniciativas. Junto uma série de ligações em que desde 2010 tenho vindo a alinhar a argumentação contra a solução linha circular. Com os melhores cumprimentos Fernando Carvalho Santos e Silva ex técnico do metropolitano de Lisboa, especialista de transportes pela ordem dos Engenheiros, nº 10973 —- Há quase 1 ano que o XXI governo e a câmara de Lisboa vêm anunciando a expansão da rede do metropolitano sob a forma da transformação das l… Nota 1 : Reafirmando que por falta de divulgação dos estudos realizados quer por consultores quer pela empresa afiliada FERCONSULT, a opinião pública não se encontra esclarecida sobre as prioridades da expansão do metro, observo que a alternativa à linha circular não é apenas o prolongamento da linha vermelha, tendo em atenção naturalmente a necessidade de um faseamento equilibrado e a utilização de fundos comunitários. Nas gravuras seguintes vemos uma alternativa 1 -prolongamento da linha amarela a Alcantara e da linha vermelha a Algés, com interligações hectométricas-pedonais entre as duas linhas e a linha de Cascais; e uma alternativa 2 – prolongamento da linha vermelha a Alcantara e da linha Amarela a Algés, também com interligações hectométricas-pedonais Nota 2 : Embora a maioria dos colegas partilhe os conceitos aqui referidos e que fazem parte das regras de arte dos transportes metropolitanos, as opiniões expressas apenas vinculam o autor |
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