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A reconstrução do Sistema Ferroviário Nacional

valencaDN_05O caminho de ferro começou a desenvolver-se de forma significativa, em toda a Europa, no início do século XIX. Portugal acompanhou, embora com algum atraso, este movimento e, em cerca de 40 a 50 anos, construiu, ao tempo, uma significativa rede ferroviária, que foi servindo o País ao longo de todo o século XX, tendo atingindo uma dimensão rede de mais de 4.000 Kms. Hoje, como sabemos a extensão é bem menor, não chega aos 3.000 Kms de rede útil.

Quando se olha para mapas da rede ferroviária nacional de meados do século passado percebe-se que havia uma vontade de ter o País coberto, quase na totalidade, por um meio de transporte de grande capacidade, servindo as pessoas e a actividade económica. Todavia este serviço teve, desde sempre, problemas financeiros que nunca as diferentes entidades privadas ou públicas, que foram sendo criadas para a construção e exploração das diferentes linhas conseguiram ultrapassar. Esta situação durou quase um século (1856-1950).

Em face da situação caótica em que todo o setor se encontrava, o Estado, em 1950, criou a CP-Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses que agregou toda a atividade ferroviária no País. Esta nova empresa assentou, nesta fase, num modelo organizacional muito hierarquizado, em consequência de muitas das áreas de atividade serem lideradas por oficiais do exército o que no contexto da época terá sido um bom contributo para estruturar uma empresa que resultara da integração de culturas empresariais diferentes e que necessitava de ser organizada e consolidada.

Na parte final da década de 60 do século XX foi dado um passo significativo na consolidação do setor ferroviário português, com o apoio de especialistas ferroviários franceses da SOFREARIL, hoje SYSTRA, empresa do grupo SNCF. Foi nesse período que toda a atividade ferroviária foi reorganizada nomeadamente nas áreas de apoio como a selecção psicológica, a medicina do trabalho, a formação profissional (o Centro de Formação do Entroncamento foi inaugurado em 1969), assim como a entrada em larga escala de jovens licenciados, em particular engenheiros e engenheiros técnicos, para as infraestruturas, os transportes e as oficinas de material circulante. Em consequência de tudo isto, no início dos anos 70, começou a consolidar-se no setor um conjunto de competências e conhecimentos técnicos relevantes o que permitiu que nas décadas seguintes o País viesse a dispor de quadros técnicos e operacionais altamente qualificados e reconhecidamente competentes, tanto ao nível das tecnologias do setor como dos métodos e processos de trabalho.

Esta consolidação de conhecimentos teve a maior expressão ao longo das duas últimas décadas do século XX, (o que permitiu o desenvolvimento e implementação de um conjunto de novas tecnologias ferroviárias, ainda que sobre uma infraestrutura relativamente obsoleta), antes de se começar a fazer sentir os efeitos negativos dos chamados outsourcings a que o setor foi sendo exposto a partir de 1992 e cujo clímax foi a recente integração da Rede Ferroviária Nacional, nas Estradas de Portugal.

Olhando para as sucessivas etapas que o caminho de ferro foi tendo, em Portugal, desde o seu aparecimento há quase 160 anos, percebe-se que ao longo dos tempos houve sempre a procura de soluções que contribuíssem para melhorar o desempenho no setor havendo, por isso, ganhos no sistema e que teve o seu ponto alto, como referi atrás, os anos 80 e 90 do século passado. Porém, ao longo dos últimos 20 anos tudo isto se foi diluindo perdendo-se, não só,a visão sistémica do setor, mas também dimensão,a massa crítica eas competências distintivas que só uma abordagem sistémica permite desenvolver e manter, nos trabalhadores em geral e, em particular, nos Quadros Técnicos.

A irrelevância técnica e organizacional em que o setor ferroviário se encontra, só pode conduzir ao cada vez maior empobrecimento profissional daqueles que nele trabalham, logo à perda de qualidade do serviço prestado às pessoas e às empresas. Este empobrecimento profissional é a meu ver mais penalizador porque nos limita, como País, na capacidade de intervir tecnicamente em discussões relevantes para nós, no âmbito dos organismos sectoriais (UIC, EIM, etc…) e das instituições da União Europeia. Não é por termos ainda “meia dúzia” de Quadros muito competentes que a situação se resolve…

É por isso que o próximo governo, terá de olhar para a questão ferroviária sem a atitude revanchista, que por vezes penso ter existido em algumas das decisões tomadas para o setor, e assegurar que este ganha dimensão e massa crítica e desenvolve as competências distintivas que o possam tornar pujante, tanto interna, como externamente.

Setembro de 2015
Joaquim Polido