O Caminho-de-ferro em Portugal nas últimas duas décadas: Tempo de avaliar
Ao longo de quase 40 anos trabalhei no sector ferroviário português. Foi um percurso que me realizou profissionalmente, já que me permitiu trabalhar em várias partes do mundo, nomeadamente na América Latina, em África e na Europa, em particular, durante a década de 90 do século passado.
Esta experiência permitiu-me constatar, na América Latina e em África as acentuadas situações de degradação e desqualificação do material circulante, dos equipamentos e dos meios humanos, algo muito estranho aos olhos de um europeu, já que, por essa altura na Europa (a partir de meados dos anos oitenta), se estava a verificar um forte investimento na tecnologia ferroviária, pelas empresas incumbentes: novos equipamentos de sinalização e comunicação, novos tipos de material circulante (os famosos TGV, AVE, ICE, etc…) e, também, uma forte aposta na qualificação dos trabalhadores do sector.
Portugal, em termos globais, acompanhou este desenvolvimento no sector, conforme se constata pela aquisição do material circulante para as linhas de Sintra e Azambuja, para os suburbanos do Porto e os Alfas para o longo curso, de equipamentos de sinalização e comunicações e uma grande renovação e electrificação de grande parte da rede ferroviária nacional. Tudo isto permitiu uma profunda redução dos meios humanos que de cerca de 30 mil no início da década de noventa, para os cerca de 7 mil nos dias de hoje.
Mas este foi, também, o período em que a propósito da directiva comunitária de 1991 se começou a dividir o sector criando, a partir da CP-Caminhos de Ferros Portugueses, EP, mais de 20 novas entidades em resultado da autonomização de áreas da empresa. Esta solução, conforme se constata hoje, não melhorou as contas do sector, fê-lo perder dimensão e com isso, massa crítica e conhecimento, tornando débeis áreas que eram fortes, como a reparação e manutenção do material circulante, a manutenção, conservação e renovação das infra-estruturas e a selecção e formação das pessoas. Acresce a isto o facto de não se conseguir ter um regulador capaz e com saber, conforme se vê pelas sucessivas alterações que se vão fazendo, (primeiro o INTF, depois o IMTT, agora o IMT e algures por aí, a fazer não se sabe bem o quê, a URF-Unidade de Regulação Ferroviária) e, mais recentemente, a delirante solução que é a fusão EP-REFER (Estradas de Portugal – Rede Ferroviária Nacional).
A questão que se deve colocar, perante isto, é se o País quer ter um caminho-de-ferro e se este é relevante para a mobilidade das pessoas e bens, logo para a economia. Parece-me que a resposta só pode ser a de que o País necessita ter um caminhos-de-ferro capaz de servir as pessoas e de ser um contributo útil para apoiar a economia. O caminho que reiteradamente se vem percorrendo, nas últimas duas décadas, teve passos que necessariamente se teriam que dar, nomeadamente uma profunda redução do efectivo, como se verificou, mas os modelos organizacionais estão a meu ver comprovadamente desadequados e correspondem a decisões casuísticas que foram sendo tomadas sem que se tenha feito até agora uma avaliação séria sobre o impacto que estas decisões tiveram, tanto para o sector como para o País.
Estamos numa verdadeira encruzilhada para o sector. Tanto quanto ao modelo estruturação e de governança, como dos investimentos, como é o caso da questão da bitola europeia. O próximo governo não pode continuar a pactuar com esta situação e terá de fazer uma avaliação, (espera-se que com gente competente e não com “especialistas”) do que se passou no sector nos últimos vinte anos,para que se corrijam os erros passados e se defina uma estratégia clara para o futuro. Assim é que não pode, nem deve, continuar.
06 de Abril de 2015
Joaquim Polido