Visita Fermodel ao Museu Nacional Ferroviário do Entroncamento

“O comboio era puxado também por cavalos de uma raça diferente; corcéis que não tinham crinas, nem elegância, nem belas cores – cavalos que não relinchavam e não sabiam habilidades de volteio.
Eram animais de uma nova caudelaria que vinha transformar tudo, fazendo uma revolução mais profunda do que a sentida pelas tribos primitivas, quando domesticaram o cavalo-besta.
Agora, o cavalo-vapor, arma de luta de uma classe que ia ascender aos cumes da vida e queria espalhar-se pelo mundo. Era uma força poderosa que iria conquistar mercados, fomentar indústrias, desencadear necessidades e criar países”
Alves Redol

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No passado dia 16 de Outubro de 2021, o grupo Fermodel, concretizou um dos pilares da sua existência, enquanto organização, identificada como “Associação de Amigos de Modelismo Ferroviário”, que foi a visita ao Museu Nacional Ferroviário, no Entroncamento.
Esse acontecimento só foi possível, para além da dinamização da actual direcção, pelo empenhamento do colega José Manuel Salgado, e a Direcção do Museu, na pessoa da Dra. Maria José Teixeira, tendo participado 33 pessoas, entre membros da Femodel, familiares e amigos.

A visita, decorreu na parte da manhã, sendo levados a percorrer todos os espaços museológicos sob orientação do Sr. João Paulo, que se evidenciou pessoa muito conhecedora, referindo aspectos muito interessantes, não apenas sobre a parte museológica, mas também interventiva, explicando os “porquês” de erradas decisões sobre o plano nacional ferroviário, concitando a intervenção de alguns dos presentes, para mera troca de ideias, sobretudo, tendo em vista o futuro da ferrovia em Portugal.

A própria visita sugere duas fases, sendo que na primeira ficamos a conhecer os primórdios dos caminhos de ferro, evocando-se um pouco de história, sobre a epopeia da construção das vias, o início do caminho de ferro em Portugal e no mundo.
A segunda fase pode caracterizar-se por uma viagem no tempo, enobrecida com a visita ao material circulante.

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Numa primeira abordagem referida pelo guia, Sr. João Paulo, ficámos a saber que o acervo museológico da Fundação Museu Nacional Ferroviário é constituído por cerca de 36.000 objetos, de pequenas e grandes dimensões, os quais se inserem nas seguintes categorias: Material Circulante; Equipamentos de Via e Catenária; Equipamento de Oficina; Equipamentos de Comunicação, Informação e Sinalização; Equipamentos de Estação, Escritório, Tarifários e Bilhética; Proteção e Segurança; Equipamentos de Restauração; Equipamento Têxtil; Equipamento de Saúde e Espólio Documental.

A visita teve início no edifício designado por “Armazém de Víveres”, onde antigamente existia um armazém que, durante décadas, serviu para abastecimento de bens alimentares, e outros, de primeira necessidade, às famílias dos ferroviários da cidade, com preços mais acessíveis. Foi projetado pelo prestigiado arquiteto Cottinelli Telmo (1939).

Hoje em dia, o “Armazém de Víveres” alberga uma das naves expositivas do museu, incorporando os serviços de recepção ao visitante (bilheteira, loja, cafetaria, WC), bem como uma sala para exposições temporárias. Neste edifício tem início a exposição permanente, composta por objetos e informação contextualizada sobre serviços sociais dos ferroviários, como as escolas de aprendizes, serviços médicos ou colónias de férias. As profissões ligadas à ferrovia merecem ainda uma atenção especial, com a representação de algumas figuras e o vestuário usado nas épocas mais remotas.

Neste espaço estão reunidas as peças mais pequenas da coleção (utensílios do quotidiano dos ferroviários, objetos de bilhética, instrumentos de comunicação, equipamentos de estação) onde se destaca a miniatura de locomotiva a vapor – La Liliputienne – a locomotiva brinquedo oferecida pelo rei de França Louis Phillipe à família real portuguesa, ou ainda a réplica em escala reduzida da locomotiva a vapor Pacific n.º 1501, construída em 1940 pelos aprendizes das Oficinas do Barreiro.


Neste edifício, à laia de preâmbulo, o orientador da visita deu maior ênfase ao período das máquinas a vapor, abordando temas como a infraestrutura ferroviária – pontes, túneis e estações fundamentais para o funcionamento deste meio de transporte -, os materiais e apetrechos utilizados, os aparelhos usados pelos funcionários, quer nas manobras dos comboios, quer no desempenho do seu ofício no dia a dia nas oficinas, onde o material circulante era sujeito a reparações.

Passámos depois para a segunda fase, que seria o corolário da visita do grupo Fermodel, que teve início na “Rotunda das Locomotivas”, conhecida no meio ferroviário como “Redonda”, cujo edifício, em forma de semicírculo, servia para parqueamento e manutenção de locomotivas a vapor. Tem uma placa giratória para onde convergem as 14 linhas do seu interior, sendo que este engenho tem a função de inverter o sentido da marcha das locomotivas ou simplesmente parqueá-las. Aqui foi possível ver a locomotiva “001”, a primeira a circular sob a égide da CP, bem como a “0135”, que participou na construção da linha da Beira Baixa, considerada por muitos entendidos como uma verdadeira obra prima no mundo ferroviário.

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O grupo foi encaminhado, depois, para a zona onde estava o “Comboio Real”, que mereceu as atenções de todos os presentes, concitando especial atenção a riqueza, o luxo, e a comodidade no interior dos salões onde a família real viajava. A composição ferroviária era utilizada pela família real portuguesa, quando se deslocava no sul do país e, principalmente, nas viagens para Vila Viçosa, para a residência de campo. A composição é constituída pela locomotiva D. Luiz com respetivo tender, o Salão D. Maria Pia e o Salão do Príncipe.

Um pormenor que não passou despercebido, foi o facto de a família real e os seus acompanhantes viajarem comodamente instalados, mas o maquinista, o responsável pela vida de todos eles, viajar ao ar livre, sujeito às intempéries invernosas ou ao rigor do sol de verão.

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Por uma questão de curiosidade, de referir que a locomotiva D. Luiz foi encomendada ao fabricante inglês Beyer Peacock & Co, Manchester, sendo concluída em 1862, para tração do Salão D. Maria Pia e baptizada com o nome do rei D. Luís I. Tinha um design requintado e singular, e nesse mesmo ano foi exibida pelo fabricante, tendo-lhe sido atribuída uma medalha de ouro na London International Exhibition, antes de ser entregue à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses ao Sul do Tejo.
Posteriormente, com a implantação da República, em 1910, aquela composição manteve-se ao serviço, efectuando comboios suburbanos na Linha do Sul, sendo retirada do serviço em 1923.

Foi ainda possível a visita à zona das locomotivas eléctricas, bem com as diesel, sendo de referir a especial atenção que mereceu a locomotiva “1311”, que substituiu as locomotivas a vapor ao serviço da linha da Beira Baixa.
Será interessante referir aqui um momento histórico, revelando a importância da introdução das locomotivas da série “1300” em Portugal.

Em meados do Século XX, a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses iniciou um programa de modernização, de forma a melhorar os seus serviços; no âmbito deste projecto, encomendou doze locomotivas diesel-eléctricas, com o apoio do Fundo de Fomento Nacional, no âmbito do Plano Marshall.

Assim, em 1952 foram construídas pela empresa americana Whitcomb Locomotive Company, 12 locomotivas a tracção a gasóleo, numeradas de 1301 a 1312. Apresentavam cerca de 16 metros de comprimento, 96 toneladas de peso, e 1350 cavalos de potência, e podiam atingir até 132 quilómetros por hora.

Seria o fim da era a vapor em Portugal…


A visita deteve-se, por fim, no esplendor de outra composição da CP, o “Comboio Presidencial”, ou também designado por “Comboio Azul”.

A criação de um tipo de carruagens designadas por “trens reais” data da segunda metade do séc. XIX, em que composições especiais eram preparadas e destinadas ao uso dos reis e imperadores no exercício das suas funções, porquanto, numa Europa governada por monarquias constitucionais e impérios, era essencial dotar o poder executivo de meios de transporte condignos da monarquia. Os caminhos de ferro eram uma novidade e contribuíam para a aceleração do transporte de pessoas e bens, com o crescimento das próprias economias dos países, o que não podia ser descurado pelos próprios monarcas de então.

Claro que, em termos nacionais, esse comboio foi convertido em ”Comboio Presidencial”, nele tendo viajado, entre outros, o Marechal Carmona, Salazar, o General Craveiro Lopes e o Almirante Américo Tomaz. Mais recentemente, aquela composição realizou viagens na linha do Douro, mais com fins gastronómicos, sendo convidados afamados “Chefs” para prepararem os menus de degustação.

Para finalizar a nossa reportagem, aqui fica expresso que a visita ao museu foi muito interessante, principalmente por ter sido monitorizada por alguém que sabia do que estava a falar, de forma muita animada e entusiasta, proporcionando a possibilidade de conhecer o histórico ou partes do museu que a maioria das pessoas não conhecia, nomeadamente as gerações mais novas.

Além da beleza das locomotivas, o cuidado que lhes é dado, e o projeto educativo também ganham um grande destaque com a existência de um museu deste cariz.

O que o grupo reteve não é mais do que um aprendizado sobre a importância do transporte ferroviário, mas, não menos importante, a preservação da nossa cultura, pois foi através dos caminhos de ferro que muitas populações puderam melhorar o seu nível de vida e ter acesso aos meios culturais que na época eram exclusivos das populações que viviam nas grandes metrópoles.

Só para finalizar, à laia de proposta, o museu deveria tornar-se um símbolo do progresso e da modernidade, com a realização de viagens de duas composições pelo país, mostrando à maior parte da população a importância dos transportes ferroviários, nomeadamente colocando uma locomotiva a vapor a puxar o comboio real e o comboio presidencial, puxado pela 1400 azul.

Texto da autoria do Membro Fermodel, Mário Mendes

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